Blog Cão Rafeiro

Como ser mais Cão

Sempre tive a felicidade de conviver com animais desde que nasci e na minha casa sempre existiram vários cães a animar os nossos dias!
Mas não há, nem haverá nenhum cão que me faça sentir o amor e a ternura que a Kuka me fez sentir durante 14 anos e 7 meses.

A Kuka foi um anjo que me ensinou que o amor verdadeiro pode vir numa linguagem diferente, que a ternura e o carinho se podem manifestar em coisas subtis como o olhar de entendimento, confiança e cumplicidade. Que o abanar a cauda é mais importante do que pensar em ganhar alguma coisa em troca e que a verdadeira recompensa da vida é o colo, a casa cheia e a família. Estes eram os valores da Kuka: casa cheia de amigos, a família e um colo de mãe.

Tive a sorte de partilhar a minha existência com ela nos anos em que me lembro de ser gente e, sem ela, sinto que uma parte de mim se perdeu para sempre. Mas também sinto que uma enorme parte dela vive em mim e isso, como diria o meu irmão, tornou-me mais cão do que pessoa e não há nada melhor do que isso neste mundo. Graças a ela, sou uma pessoa melhor, sou mais cão.

A uma determinada fase da vida ela perdeu a audição. Muitos foram os problemas de saúde que foi tendo ao longo dos anos, mas sempre cuidamos dela com todo o amor, atenção e toda a medicina veterinária que estivesse ao nosso alcance. A Kuka era epliéptica mas não era um estigma que gostassemos de lhe atribuir. Sempre viveu feliz, com energia e aventuras, mesmo com essa doença terrível. Entre roturas de ligamentos, cirurgias de remoção de útero, gastrites e convulsões, a Kuka era a coisa mais doce que passou na minha vida e apenas pelo seu olhar conseguiamos sentir toda essa meiguice e bondade. Sempre tão calma e paciente quando tínhamos que ir a voar até ao hospital, uma guerreira!

Mas voltando à audição… Quando ela ficou surda, eu precisei adaptar uma série de formas de comunicar porque não havia como lhe dar indicações do que se estava a passar verbalmente. Então criámos um sistema de gestos e olhares que se baseavam sobretudo nos meu sentimentos e nas minhas emoções naquele

momento em que lhe queria transmitir alguma informação. O que podemos chamar a isto? Ela conseguia “ler” a minha intenção, pela minha emoção, pelo meu olhar e pelo meu estado de humor naquele momento. E o seu olhar consentia ou mostrava confusão consoante aquilo que eu conseguia transmitir! Isto foi provavelmente o maior ensinamento que tive: que apesar de todas as nossas limitações, devemos sempre lutar para ultrapassar e devemos sempre valorizar o amor, o carinho e a meiguice para resolver os obstáculos que se vão colocando nas nossas vidas.

Esta sorte que eu tive ao ter a Kuka na minha vida permitiu que agora eu queira partilhar todo o carinho que ela me ensinou. Um carinho que ultrapassa todas as barreiras, um carinho que me enche o coração de gratidão. Mas um carinho que só se consegue partilhar a quem é mais cão como eu, pois só quem é cão entende o que realmente é amar.

Obrigada ao Cão Rafeiro pelo convite para escrever neste projeto tão bonito.

Mariana Cúria